Coisas (5)

Há coisas fantásticas, não há?

Disse Eça de Queiroz: “Quem sem descanso apregoa a sua virtude, a si próprio se sugestiona virtuosamente e acaba por ser às vezes virtuoso “. Resolvi citar Eça, pois pretendo dar um ar intelectual à coisa. Infelizmente, para mais voltas que dê à cabeça, não é possível estabelecer uma relação firme entre a citada frase deste consagrado e insuspeito autor e o assunto que Vos apresento. Mas acredito que, por mais que remota que possa ser, ela exista.

Estou francamente feliz esta semana. Sei que não sou caso único. Arriscaria dizer que todos nós, portugueses, não cabemos em nós de felicidade desde segunda-feira última.

Este início de semana, de grata memória para todos os lusos, foi o ponto de viragem para os milhares de lares que buscavam forma de gerir o seu atribulado quotidiano financeiro. O Governo anunciou que a crise orçamental está ultrapassada. Mas não se ficou pelo simples anuncio. Para quem ainda pudesse, por certo mal intencionadamente, reservar uma pequena réstia de dúvida em relação às contas do Executivo, estas foram desfeitas com uma manobra que não deixa qualquer margem de equívoco:

Desceu 1% na taxa máxima do IVA! Reparemos que não baixou 0,4%, nem 0,6%, muito menos 0,7%. Foram, atentem e não duvidem, 1,0 %!!! Passou de 21% para 20 %! Passou para 2o,2% ??? Não!! Passou para 20%, nem mais décima, nem menos décima. 1 ponto inteirinho de abaixamento. 1 ponto percentual que vai inteiro para o bolso ansioso dos portugueses!

Soam trombetas, ilumina-se o palco, regozijam plateias. O IVA desceu 1%!! Apesar da magnânime medida só entrar em vigor a 1 de Julho, num repente, restaurantes enchem-se de famílias, agências de viagens fazem fila à porta e grupos impacientes de pessoas, com generosos maços de notas em punho, aguardam a sua vez para serem atendidos nos bancos.

Empréstimos, outrora incumpridos, são regularizados de uma assentada, amortizados grossamente e funcionários dos balcões das instituições financeiras agraciados com generosas gorjetas pelos préstimos.

Em romaria, milhares de portugueses, deslocam-se às suas repartições de Finanças com incenso, mirra e galinhas vivas, como agradecimento pela gestão pública dos seus deveres fiscais. Directores das repartições são colocados em majestosos tronos e refrescados com gigantes folhas de samambaia por desnudas e virginais moças contratadas para o efeito pelos contribuintes agradecidos.

Até as mediadoras de seguros são agraciadas com joalharia fina pela sua bondade em assumir os riscos inerentes aos nossos bens. Cantores compõem hinos de adoração à Segurança Social e guionistas criam programas-piloto de séries onde o herói é o Ministro das Finanças. Escritores de nomeada utilizam o universo mitológico grego para escrever romances onde o Ministério das Finanças e da Administração Publica é a Fénix renascida, paradoxo da felicidade, virtude, força e inteligência.

Mas as coisas não ficam por aqui. Arautos bem colocados da corte afirmam, que no próximo ano, o IVA poderá descer mais 1%. Temo que, nessa altura, tendo em conta a estrutura média dos Portugueses, sejamos pequenos para nos caber tanta felicidade.

Com o contentamento estampado no rosto,
O Vosso,

RicardoV