Coisas (7)

Um bom par...

Por motivos que não vêem ao caso, não visito a ilha da Madeira há um bom par de anos. Recordo-me que a ilha é pequena. Em contraponto, a grandeza e hospitalidade daquela gente tornam-na um dos locais mais acolhedores e prazenteiros que conheço (lembro-me com especial excitação da hospitalidade e grandeza de uma jovem madeirense que conheci na circunstância, acabada de casar com um marinheiro, na altura embarcado em serviço).


Fui com as expectativas altas dadas as fotos que tinha visto. Vi de vários géneros e planos. Tiradas de manhã, à tarde e à noite. Adorei! Senti-me tentado a fazer uma viagem tão longa só para a conhecer. Em nada me decepcionei. De facto, era melhor ao vivo que nas fotos da net. (NdA: Sim! Refiro-me às fotos da ilha!)


A única sensação próxima da decepção que posso apontar dessas semanas, foi não ter conseguido meter a 3ª velocidade no carro potente que aluguei para calcorrear a ilha. Às 3500 rotações acabava a estrada. Em contrapartida, o bom aspecto e estofos confortáveis do meu recentemente alugado bólide mereceram total aprovação da minha simpática e hospitaleira recém-casada companhia.


Esta grandeza e hospitalidade são evidentes em todo o território madeirense. Alberto João, o seu ícone máximo. Já na altura se punha em cuecas no Carnaval, evidenciando a sua comprovável grandeza abdominal. Também por essa altura, começou a chamar “senhor Silva” ao nosso actual Presidente, numa óbvia atitude de anfitrião hospitaleiro que trata o seu convidado sem cerimónias, só para que este se sinta em casa.


Esta semana, o “Senhor Silva” foi visitar o Alberto João. Numa atitude de cicerone prevenido, Alberto João recusou-se a apresentar os deputados pois, segundo o bardo da Madeira, estes são “um bando de loucos”. E para que o Presidente da Republica não fosse ao engano, tratou de rematar a quem se referia. A saber, cito: “o fascista do PND, o padre Edgar (do PCP)” e “aqueles tipo do PS”.


Ora, conforme eu esperava, a hospitalidade madeirense mantém-se um exemplo para o Mundo em geral e para os “cubanos” em particular. É óbvio que ninguém quer ir à Madeira sujeitar-se às demandas de “um bando de loucos”. Muito menos privar com um fascista, um padre comunista chamado Edgar ou com “aqueles tipos do PS”. Não que os conheça, mas pela descrição eloquente fico logo de pé atrás.


O bom na Madeira são as gentes, a paisagem e as trovas do Alberto João. A quinta é dele. Tudo o que não seja privar com o dono da quinta, esse dinossauro das boas maneiras e espírito democrático, não merece uma viagem à Baixa da Banheira, quanto mais atravessar o Atlântico.


Pena tenho que, na inesquecível altura em que visitei a Madeira pela primeira vez, Alberto João não tenha tido a fineza de me convidar para o seu círculo de lucidez. Hoje sei que corri o risco de me cruzar com padres comunistas ou, quem sabe, até mesmo com travestis budistas ou alforrecas adventistas. Mas, acima de tudo, porque possivelmente teria evitado passar pelo triste episódio que marcou a minha apressada despedida da ilha, com a cabeça partida em 4 sítios por um marinheiro recém-casado em fúria.


Cumps,


RicardoV

Coisas ( 6 )

Stress


Esta semana, calhou-me em sorte ir passar um ímpar de dias (3, para ser rigoroso) a uma simpática localidade algures entre Torres Vedras e Santa Cruz. Confirmei com estes com os quais a terra se há-de deliciar, que fora de Lisboa existem locais fantásticos, onde a tranquilidade é a vizinha

da frente e a paz mora no quarto ao lado.




Nestes locais, as rendas custam menos de metade, as auto-estradas levam-nos em cerca de 40 minutos por entre verdejantes serras até capital e os bens de 1ªa necessidade como o pão, o leite e o bagaço, são mais baratos e, na maior parte dos casos, caseiros.




Nestes espantosos sítios, as pessoas não tocam à campainha, buzinam. Ou caso vão a pé, basta aguardarem que os irrequietos cães do dono da moradia, convenientemente presos, iniciem a algazarra indicativa de visitas próximas. Nestes locais os telemóveis são desnecessários, pois se o nosso interlocutor não estiver em casa, logo um vizinho solícito aparece do nada para nos informar que está “na da filha”, “na do neto” ou “na do Ti João”. Caso não saibamos quem é o “TiJoão”, deliciam-se a relatar todo o passado do “homezeco”, dando especial ênfase aos enchidos, couves e vinho caseiro que teima em oferecer aos que o visitam.






Nestas inspiradoras paragens, o importante não é ter um jacuzzi. É ter uma horta com couves. Não se luta por uma piscina, mas por um bom sistema de rega. Não há stress. Há, em ultimo caso, chatices ligeiras com ervas daninhas que inesperadamente medram e há que lhes pôr “produto” antes que, alastrando, impeçam o crescimento viçoso das hortaliças.





Nestes tranquilos locais, pedimos um “bica”, e desde o momento em que o pedido atinge o interlocutor e a altura em que sorridentemente nos é oferecida a oportunidade de saldar a divida, temos tempo para ler, para alem do jornal, 2 romances do Sousa Tavares, 1/2 artigo do Pulido Valente, a Bíblia nas suas versões originais em hebraico e grego e um livro do Lobo Antunes na sua versão original em “Lobo Antunês”.





No entanto, ler torna-se desnecessário nestas entusiasmantes paragens. Basta ir ao lugar. Se tivermos a sorte de apanhar a “Ti Ermelinda” nos seus dias, ela contar-nos-á todos os romances imagináveis, desde as histórias mais intimas de cada um dos habitantes da localidade, passando pelo dia em que conheceu o “Ti Alfredo”, Deus o guarde, acabando, mesmo que estejamos com pressa, com a explicação, inabaladamente técnica, da forma como a substituição do escudo pelos “aérios” e pelos “sétimos” tornaram a vida mais cara.





É uma alegria. Até o café tem outro sabor. É mais alegre, docinho, parece que pica. Há quem diga que é dos resquícios de bagaço, mas quero crer que se trata apenas de alegria.




Mas não se julgue que tudo neste local é paradisíaco. De tempos a tempos, aparece um lisboeta de gel na cabeça que intenta, pobre ignorante, contornar o ritmo tranquilo do quotidiano. Que reclama do alheamento com que é recebido o seu manifesto de pressa. Que se enerva e pasma com a calma que o rodeia. Que se sente desamparado e verdadeiramente surpreendido por, na farmácia, não haver qualquer menção publicitária a anti-depressivos. Não por esquecimento, mas porque nunca ninguém os requisitou. E perante a ausência, mesmo que nunca os tenha tomado, fica tentado e ansioso.





Nesta altura percebemos que, por trás da calma aparente, se escondem interesses grotescamente capitalistas. Ninguém me tira da ideia que quem patrocina aquele estilo de vida tranquilo e abastado são as farmacêuticas. A província e o pedo-psiquiatra Eduardo de Sá não são calmos. Não são tranquilos. Querem-nos enlouquecer! São poderosos agentes infiltrados. As auto-estradas servem para chegarmos mais rapidamente, não à Capital, mas a uma das suas múltiplas farmácia pejadas de promoção a anti-depressivos.





Vão-me perdoar, queridos amigos, mas isto não é vida para mim. A calma enerva-me. Sou um pobre rapaz da cidade, habituado a fumos de escape, buzinadelas sem sentido e taxistas agressivos. O meu habitat natural são os engarrafamentos intermináveis, radares e fiscais da Emel. Dia em que o meu carro não seja rebocado, não é dia para mim. Sinto-me vazio.




Fazemos assim! De vez em quando, passo aí a buscar uma couves e umas chouriças. Enquanto isso, eu fico com os meus riscos cardio-respiratórios e Vós com o ar puro. Vós a comer saudável e eu a comer pedaços de borracha americana envolvida numa matéria esponjosa com cereais embutidos. E, um destes dias, quando a minha hora chegar, lá nos encontraremos todos. Eu sei! Por este caminho vou primeiro. Eu espero! Só Vos peço um favorzito. Levem uma daquelas garrafas de aguardente caseira, que realmente é um portento!




Abraço de amizade,





RicardoV