Coisas ( 6 )

Stress


Esta semana, calhou-me em sorte ir passar um ímpar de dias (3, para ser rigoroso) a uma simpática localidade algures entre Torres Vedras e Santa Cruz. Confirmei com estes com os quais a terra se há-de deliciar, que fora de Lisboa existem locais fantásticos, onde a tranquilidade é a vizinha

da frente e a paz mora no quarto ao lado.




Nestes locais, as rendas custam menos de metade, as auto-estradas levam-nos em cerca de 40 minutos por entre verdejantes serras até capital e os bens de 1ªa necessidade como o pão, o leite e o bagaço, são mais baratos e, na maior parte dos casos, caseiros.




Nestes espantosos sítios, as pessoas não tocam à campainha, buzinam. Ou caso vão a pé, basta aguardarem que os irrequietos cães do dono da moradia, convenientemente presos, iniciem a algazarra indicativa de visitas próximas. Nestes locais os telemóveis são desnecessários, pois se o nosso interlocutor não estiver em casa, logo um vizinho solícito aparece do nada para nos informar que está “na da filha”, “na do neto” ou “na do Ti João”. Caso não saibamos quem é o “TiJoão”, deliciam-se a relatar todo o passado do “homezeco”, dando especial ênfase aos enchidos, couves e vinho caseiro que teima em oferecer aos que o visitam.






Nestas inspiradoras paragens, o importante não é ter um jacuzzi. É ter uma horta com couves. Não se luta por uma piscina, mas por um bom sistema de rega. Não há stress. Há, em ultimo caso, chatices ligeiras com ervas daninhas que inesperadamente medram e há que lhes pôr “produto” antes que, alastrando, impeçam o crescimento viçoso das hortaliças.





Nestes tranquilos locais, pedimos um “bica”, e desde o momento em que o pedido atinge o interlocutor e a altura em que sorridentemente nos é oferecida a oportunidade de saldar a divida, temos tempo para ler, para alem do jornal, 2 romances do Sousa Tavares, 1/2 artigo do Pulido Valente, a Bíblia nas suas versões originais em hebraico e grego e um livro do Lobo Antunes na sua versão original em “Lobo Antunês”.





No entanto, ler torna-se desnecessário nestas entusiasmantes paragens. Basta ir ao lugar. Se tivermos a sorte de apanhar a “Ti Ermelinda” nos seus dias, ela contar-nos-á todos os romances imagináveis, desde as histórias mais intimas de cada um dos habitantes da localidade, passando pelo dia em que conheceu o “Ti Alfredo”, Deus o guarde, acabando, mesmo que estejamos com pressa, com a explicação, inabaladamente técnica, da forma como a substituição do escudo pelos “aérios” e pelos “sétimos” tornaram a vida mais cara.





É uma alegria. Até o café tem outro sabor. É mais alegre, docinho, parece que pica. Há quem diga que é dos resquícios de bagaço, mas quero crer que se trata apenas de alegria.




Mas não se julgue que tudo neste local é paradisíaco. De tempos a tempos, aparece um lisboeta de gel na cabeça que intenta, pobre ignorante, contornar o ritmo tranquilo do quotidiano. Que reclama do alheamento com que é recebido o seu manifesto de pressa. Que se enerva e pasma com a calma que o rodeia. Que se sente desamparado e verdadeiramente surpreendido por, na farmácia, não haver qualquer menção publicitária a anti-depressivos. Não por esquecimento, mas porque nunca ninguém os requisitou. E perante a ausência, mesmo que nunca os tenha tomado, fica tentado e ansioso.





Nesta altura percebemos que, por trás da calma aparente, se escondem interesses grotescamente capitalistas. Ninguém me tira da ideia que quem patrocina aquele estilo de vida tranquilo e abastado são as farmacêuticas. A província e o pedo-psiquiatra Eduardo de Sá não são calmos. Não são tranquilos. Querem-nos enlouquecer! São poderosos agentes infiltrados. As auto-estradas servem para chegarmos mais rapidamente, não à Capital, mas a uma das suas múltiplas farmácia pejadas de promoção a anti-depressivos.





Vão-me perdoar, queridos amigos, mas isto não é vida para mim. A calma enerva-me. Sou um pobre rapaz da cidade, habituado a fumos de escape, buzinadelas sem sentido e taxistas agressivos. O meu habitat natural são os engarrafamentos intermináveis, radares e fiscais da Emel. Dia em que o meu carro não seja rebocado, não é dia para mim. Sinto-me vazio.




Fazemos assim! De vez em quando, passo aí a buscar uma couves e umas chouriças. Enquanto isso, eu fico com os meus riscos cardio-respiratórios e Vós com o ar puro. Vós a comer saudável e eu a comer pedaços de borracha americana envolvida numa matéria esponjosa com cereais embutidos. E, um destes dias, quando a minha hora chegar, lá nos encontraremos todos. Eu sei! Por este caminho vou primeiro. Eu espero! Só Vos peço um favorzito. Levem uma daquelas garrafas de aguardente caseira, que realmente é um portento!




Abraço de amizade,





RicardoV